02/10/2025 às 13h56 - Atualizado em 02/10/2025 às 14h15

Câncer de mama: pesquisa da UnB investiga novos caminhos para conter a metástase

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Com apoio da FAPDF, cientistas analisam a função da enzima SETDB1 e seu papel na agressividade da doença

Ensaio de invasão celular: utilizando uma camada de matrigel (substância que imita a matriz extracelular presente entre as células do corpo humano), avalia-se se as células tumorais conseguem atravessar essa barreira, processo essencial para a formação de metástases. (Créditos: Acervo Pessoal/Ana Cristina Moura Gualberto)

O câncer de mama é o tipo mais incidente entre as mulheres no Brasil e uma das principais causas de morte por câncer no mundo. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são estimados 73.610 novos casos por ano no país no período de 2023 a 2025. No Distrito Federal, a estimativa é de 1.030 novos casos anuais no mesmo período, com uma taxa de incidência ajustada de 49,8 casos por 100 mil mulheres. Esse cenário reforça a relevância de pesquisas inovadoras como a desenvolvida na Universidade de Brasília (UnB) — dados do INCA, Estimativas 2023-2025: Controle do Câncer de Mama.

Com apoio do Programa FAPDF Learning (BIO Learning 2023), a UnB desenvolve um projeto que busca compreender o papel da enzima SETDB1 em etapas críticas da progressão tumoral, como crescimento celular descontrolado, capacidade de migração e invasão e a chamada transição epitélio-mesenquimal (EMT) — processo em que células tumorais ganham mobilidade e tornam-se capazes de formar metástases. 

Pesquisadora Ana Cristina Moura Gualberto, pós-doutoranda no Laboratório de Patologia Molecular do Câncer da Universidade de Brasília (UnB). (Créditos: Acervo Pessoal/Ana Cristina Moura Gualberto)

A pesquisa é conduzida por Ana Cristina Moura Gualberto, bióloga imunologista, doutora e mestre pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atualmente pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório de Patologia Molecular do Câncer da UnB, coordenado pelo prof. Dr. Fábio Pittella.

 

Prof. Dr. Fábio Pittella, referência internacional em patologia molecular do câncer, ao lado da pesquisadora Ana Cristina Moura Gualberto, responsável pelo projeto. (Créditos: Acervo Pessoal/Ana Cristina Moura Gualberto)

“Há evidências crescentes de que a SETDB1 regula vias associadas à metástase. Nosso objetivo é elucidar, com precisão, como a ausência dessa enzima altera o comportamento tumoral”, afirma Ana Cristina.

O que é SETDB1 e por quê pesquisá-la?

A SETDB1 é uma metiltransferase, isto é, uma enzima que adiciona grupos químicos chamados metil a proteínas — especialmente às histonas, moléculas que organizam o DNA dentro da célula e regulam se determinados genes ficam “ligados” ou “desligados”. Esse tipo de modificação é conhecido como epigenética, porque altera o funcionamento do gene sem mudar a sequência do DNA.

Nos tumores de mama e em outros tipos de câncer, como fígado, pulmão e leucemias, a SETDB1 aparece frequentemente desregulada, o que está relacionado à maior agressividade e potencial de formação de metástases. Evidências científicas mostram que essa enzima participa de mecanismos que desligam genes supressores de tumor e ativam vias ligadas à invasão e proliferação celular. Segundo Ana Cristina, compreender detalhadamente esse papel é essencial:

“Ainda há lacunas sobre os mecanismos moleculares finos da SETDB1. Ao eliminarmos esse gene com o sistema CRISPR/Cas9, conseguimos observar de forma causal o que muda na célula tumoral — desde seu comportamento até as vias biológicas que regulam sua agressividade.”

Como a pesquisa é feita

O estudo usa a técnica CRISPR/Cas9 — uma espécie de “tesoura genética” capaz de cortar o DNA em pontos específicos — para inativar o gene SETDB1 em linhagens de células de câncer de mama. Esse processo é chamado de knockout, que significa a eliminação completa da função de um gene, permitindo observar como sua ausência altera o comportamento celular.

Ensaio de migração celular: em uma placa de cultura coberta por células de câncer de mama, cria-se um “risco” que abre espaço para avaliar se as células sem o gene SETDB1 migram mais ou menos em comparação às células controle. (Créditos: Acervo Pessoal/Ana Cristina Moura Gualberto)

A partir daí, a equipe compara as células editadas com células não modificadas em uma série de ensaios:

  • Proliferação: mede o crescimento acelerado das células;

  • Clonogenicidade: avalia a capacidade de uma única célula formar colônias e dar origem a novas populações;

  • Migração e invasão: verificam como as células se deslocam e atravessam barreiras simuladas em laboratório;

  • Transição epitélio-mesenquimal (EMT): medida por marcadores como E-caderina (associada ao estado epitelial) e N-caderina (associada ao estado mesenquimal), que indicam o potencial de mobilidade da célula tumoral;

  • Perfil molecular: análises de RNA-seq, um tipo de sequenciamento que mostra quais genes estão sendo expressos em determinado momento, revelando redes regulatórias influenciadas por SETDB1;

  • Confirmação genética: por meio de PCR em tempo real (qRT-PCR), técnica que mede a quantidade de RNA de genes específicos, indicando se eles estão mais ou menos ativos após o knockout.

Os experimentos também se estendem a modelos animais, para verificar se as alterações observadas em laboratório se confirmam no organismo vivo.

Comparado a técnicas mais antigas, como o RNA de interferência (RNAi) — que apenas reduz temporariamente a atividade de um gene — o CRISPR/Cas9 oferece knockout permanente, maior precisão e possibilidade de criar modelos estáveis para estudos de longo prazo.

Resultados esperados e impacto

A expectativa é que o knockout da enzima SETDB1 leve a uma redução do potencial metastático, com menor proliferação, migração e invasão das células tumorais. Além disso, a análise transcriptômica — isto é, o estudo do conjunto de RNAs produzidos pela célula em determinado momento, que revela quais genes estão ativos e em que intensidade — deve indicar novos alvos terapêuticos e biomarcadores — características biológicas que servem como sinais para diagnóstico ou monitoramento de doenças.

“A edição gênica nos dá um modelo estável e preciso. Isso reforça a confiabilidade dos achados quando cruzamos resultados em células, em animais e em análises moleculares”, explica a pesquisadora.

Etapa do ensaio laboratorial: teste de eficiência de transdução lentiviral para gerar linhagens de células de câncer de mama estáveis na expressão da proteína Cas9. (Créditos: Acervo Pessoal/Ana Cristina Moura Gualberto)

No futuro, essa linha de investigação pode dar origem a testes de diagnóstico baseados em epigenética e até a novas terapias personalizadas, que visem diretamente a SETDB1 ou vias associadas. Já existe, inclusive, uma patente em análise relacionada à produção de vetores lentivirais — vírus modificados em laboratório e usados como ferramentas seguras para introduzir genes em células. Essa tecnologia é fundamental tanto para o projeto atual quanto para outras aplicações da ferramenta CRISPR.

Com isso, a pesquisa alia ciência de ponta, inovação tecnológica e potencial translacional, aproximando-se de soluções que podem impactar diretamente a prática clínica.

O papel da FAPDF e da equipe

Segundo a pesquisadora, o apoio da FAPDF teve impacto direto:

“O suporte da FAPDF foi fundamental para viabilizar este projeto, garantindo insumos de alto custo, fortalecendo a infraestrutura laboratorial e promovendo a formação de novos talentos científicos no Distrito Federal”, afirma Ana Cristina Moura Gualberto.

Equipe de alunos e técnica envolvidos no estudo: Brunna Santana, Ekaly Apangha, Mariana Braccialli e Yasmin Albuquerque.(Créditos: Acervo Pessoal/Ana Cristina Moura Gualberto)

A equipe conta com o prof. Dr. Fábio Pittella, referência internacional em patologia molecular do câncer, além das professoras Drª Jacy Gameiro e Drª Sara Malaguti, especialistas em imunologia e oncologia experimental. Alunos de doutorado e graduação completam o time, participando de análises de biologia molecular e experimentos funcionais.

Para o diretor-presidente da FAPDF, Leonardo Reisman, iniciativas como esta reforçam o compromisso da Fundação em apoiar pesquisas de impacto direto para a sociedade:

“O câncer de mama atinge milhares de mulheres todos os anos e representa um grande desafio para a saúde pública. Apoiar uma pesquisa que busca compreender mecanismos da metástase e abrir caminhos para novas terapias é investir não apenas em ciência de ponta, mas também em qualidade de vida e esperança para a população do Distrito Federal e do Brasil.”


Reportagem: Gabriela Pereira

Edição: Fernanda Patrocínio