Missão Perceive e Sistema Perception são resultados da união entre ciência, tecnologia e cooperação internacional com investimento inicial da FAPDF
A missão é liderada pelo professor Renato Alves Borges. Na foto, ele apresenta a trajetória dos projetos espaciais da UnB para os alunos do curso de Veículos Espaciais no campus de Ourense, da Universidade de Vigo, na Espanha. (Créditos: Manuel Diz-Folgar/UVigo)
Imagine um nanossatélite brasileiro voando sobre a Amazônia e o Cerrado, coletando dados em tempo real para prever riscos ambientais e proteger os biomas mais ameaçados do país. Agora imagine esses dados sendo analisados por cientistas aqui mesmo, na Universidade de Brasília (UnB). Essa proposta ousada e inovadora é o Sistema Perception e a missão espacial Perceive, iniciativas que transformam a forma de monitoramento dos biomas mais estratégicos para a sobrevivência humana na Terra.
O projeto é desenvolvido pelo Laboratório de Simulação e Controle de Sistemas Aeroespaciais (LODESTAR), que manteve no espaço entre 2022 e 2024 o nanossatélite pioneiro AlfaCrux, resultado de estudos da UnB e com financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa (FAPDF). Esse foi o primeiro nanossatélite 100% fomentado por uma fundação de apoio à pesquisa, o que reforçou o papel de Brasília como polo de inovação científica e tecnológica.
O Sistema Perception representa uma cooperação internacional entre Brasil e Espanha, por meio da parceria com a Universidade de Vigo que há mais de uma década trabalha engenharia espacial junto à UnB, e a empresa Alén Space. O investimento da FAPDF por meio do edital Learning Tech para o início dessa pesquisa foi de R$1,5 milhão. Mais R$ 500 mil reais foram captados por meio Programa de Apoio a Núcleos Emergentes para o Sistema, também via FAPDF. Totalizando um investimento de R$2 milhões.
A missão é liderada pelo professor Renato Borges, do Departamento de Engenharia Elétrica da UnB, referência nacional em engenharia aeroespacial. A iniciativa envolve cientistas de diversas áreas, da biologia à inteligência artificial, conectando dados da Terra ao espaço. Unindo engenharia espacial e ciência ambiental a missão tem um objetivo claro: tornar o Brasil protagonista no monitoramento remoto de seus ecossistemas.
Professor Renato Alves Borges e o engenheiro Ignacio Gonzalez-Rua durante demonstração tecnológica ponta a ponta de solução de coleta de dados para o Perceive, semelhante à utilizada na missão AlfaCrux. (Créditos: Manuel Diz-Folgar/UVigo)
Muito além de um satélite
O Sistema Perception é mais que uma missão espacial. Ele funciona como um ecossistema tecnológico que une sensores terrestres, comunicação via satélite, inteligência artificial e modelos climáticos. Tudo isso para produzir dados confiáveis, em tempo real, sobre mudanças ambientais que antes poderiam passar despercebidas.
Os primeiros alvos dessa tecnologia são dois gigantes da biodiversidade: a Floresta Amazônica e o Cerrado. Em parceria com o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a equipe irá usar torres de medição em plena floresta para monitorar o carbono do ar. No Cerrado, a UnB lidera a investigação dos recursos hídricos e do solo, numa região considerada hotspot de biodiversidade — e também de pressão agropecuária.
Como funciona?
Para entender a inovação, pense em duas frentes de ação:
Os dados são processados por uma plataforma digital — também em desenvolvimento na UnB — que usa inteligência artificial para prever situações como secas extremas, risco de queimadas ou degradação do solo. Assim, políticas públicas podem ser ajustadas com base em evidências e não em achismos.
O satélite Perceive na plataforma FlatSat composto por um computador de bordo e sistema de telemetria e telecomando TRISKEL, um sistema elétrico de potência, e duas cargas úteis Totem, que são rádios definidos por software. (Créditos: Manuel Diz-Folgar/UVigo)
Investimento histórico em satélite universitário
O embrião do Sistema Perception surgiu graças ao projeto AlfaCrux, uma missão espacial inédita, fruto da parceria entre a UnB e a Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). Com investimento de R$ 2 milhões, levou ao espaço — entre 2022 e 2024 — o primeiro nanossatélite construído por uma equipe totalmente treinada dentro do próprio Distrito Federal. O nanossatélite AlfaCrux é um cubo de 10 centímetros e 1 quilograma que representa avanços gigantescos na tecnologia espacial, cuja réplica em tamanho real está exposta no Planetário de Brasília Luiz Cruls, para visitação do público.
Durante essa missão, a equipe do LODESTAR foi capacitada em todas as etapas do ciclo espacial, da concepção à operação em órbita. Essa vivência prática possibilitou a maturidade técnica necessária para o desenvolvimento do Perceive e do Sistema Perception.
“A FAPDF entende que não existe soberania sem ciência. Com o projeto é possível verificar que formar equipes completas, com tecnologia própria, para pensar soluções brasileiras para desafios globais é possível. Essa missão é a prova de que investir em conhecimento transforma o presente e prepara o futuro”, afirma Marco Antônio Costa Júnior, presidente da FAPDF.
Em apenas 10 minutos, o nanossatélite deixou a Terra e alcançou sua órbita a cerca de 500 km de altitude. Sua missão principal era testar tecnologias voltadas para coleta de dados ambientais tais como queimadas, desmatamento e dados atmosféricos, além de capacitar novos profissionais para o setor aeroespacial nacional.
Estudantes da rede pública do DF visitam a exposição sobre o nanossatélite AlphaCrux no Planetário de Brasília. (Crédito: Ascom/FAPDF)
Durante os dois anos em que esteve ativo, o AlfaCrux completou mais de 10 mil voltas ao redor da Terra, coletando dados fundamentais para estudos ambientais. Passava duas vezes ao dia por Brasília, permitindo o monitoramento constante por parte da equipe de pesquisadores da UnB. O último pacote de dados foi recebido em 3 de abril de 2024, pouco antes de o satélite se desintegrar na atmosfera terrestre — sem deixar lixo espacial.
Essa missão teve impacto direto na capacitação de mais de 30 estudantes e pesquisadores, preparando mão de obra altamente qualificada para o setor espacial.
Cooperação que cruza oceanos
A história desse projeto começou há mais de uma década, em 2013, quando a Universidade de Brasília participou da missão do primeiro CubeSat espanhol. Desde então, a parceria com a Universidade de Vigo (UVigo), na Espanha, só cresceu. Hoje, envolve também a Universidade de Nottingham, no Reino Unido, além da Alén Space, empresa europeia especializada em tecnologias satelitais.
O professor Fernando Aguado, da UVigo, e a professora Chantal Cappelletti, da Universidade de Nottingham, são nomes centrais nesse intercâmbio, que já levou estudantes brasileiros para a Europa e trouxe especialistas internacionais para os laboratórios do Brasil.
Apresentação da trajetória do LODESTAR: Laboratório de Simulação e Controle de Sistemas Aeroespaciais. O diálogo aconteceu junto aos professores, pesquisadores e pós-graduandos no campus de Vigo, na Universidade de Vigo, na Espanha. (Créditos: Manuel Diz-Folgar/UVigo)
Inovação no Espaço: Impacto na Terra
Além da inovação científica, o Sistema Perception tem impactos sociais e econômicos que vão muito além da academia:
Próximos passos: da prototipagem ao espaço
Antes de o satélite voar, a equipe testa tudo com um sistema chamado FlatSat — uma réplica do satélite que permite a realização de testes funcionais completos de toda a missão, mas em solo. É com essa versão que estão sendo experimentadas tecnologias como o uso de rádio via LoRa, comum na internet das coisas, adaptado ao ambiente espacial. Além disso, a solução testada no AlfaCrux já opera na plataforma, viabilizando demonstrações completas de coleta de dados. A ideia é garantir que o Perceive tenha comunicação robusta mesmo nos locais mais isolados do Brasil.
A entrega da primeira versão da plataforma de dados está prevista para este ano. O lançamento do satélite, estimado para até o final de 2026, ainda depende da captação de recursos específicos para a missão.
“Hoje o Perception e Perceive conta com uma equipe de 27 pessoas, mas já com novos membros sendo integrados ao grupo original, já ultrapassando 32 participantes. Esse grupo contempla diferentes áreas do conhecimento, por exemplo nas engenharias temos elétrica, telecomunicações, aeroespacial, produção, mecânica. Ainda, administração, biologia, geociências, ciências da computação, segurança cibernética”, destaca Renato.
Da esquerda para a direita, Alejandro Cadarso e Jose Fernández, da Alén Space, e Renato Borges durante etapas de health check (em tradução livre: verificação da saúde do sistema) nas instalações da Alén Space, após a integração do FlatSat. (Créditos: Manuel Diz-Folgar/UVigo)
Legado brasiliense na ciência
Um dos maiores legados do projeto é a formação de profissionais em áreas estratégicas: engenharia aeroespacial, geociências, ciência de dados, biologia, eletrônica embarcada, todas com pegada interdisciplinar que estimula criatividade, pensamento crítico e inovação.
O Sistema Perception é, ao mesmo tempo, uma ferramenta e um símbolo. Um símbolo de que é possível — e urgente — investir em ciência nacional para proteger nossos biomas, com tecnologia de ponta, trabalho em rede e olho no futuro.
O PROJETO NA MÍDIA INTERNACIONAL:
FARO DE VIGO: A vinda de pesquisadores estrangeiros para Vigo e fornece um recorte para nosso projeto
LINKEDIN (ARTIGO) AEROSPACE TECHNOLOGY RESEARCH GROUP
LINKEDIN (DESTAQUE) Alén Space dá destaque ao projeto na página oficial do Linkedin
Reportagem: Natasha Oliveira e Mariah Brandt
Edição: Douglas Silveira
Imagens: Manuel Diz-Folgar/UVigo e Arquivo FAPDF
FAPDF
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